Depressão é a doença do século XXI, dizem repórteres, influencers, youtubers, cientistas, psicólogos, psiquiatras. Sim. Talvez. Mas pouco se discute sobre as várias nuances e facetas da depressão. Inclusive, eu abordei um pouco sobre isso no meu blog Mentira e Omissão, quando eu falo sobre o auto-engano. Pra mim, a doença do século XXI é a mentira fantasiada de auto-engano. Sabe como? Quando você finge pra si mesmo (a) que está tudo bem, tanto no trabalho, quanto no seu relacionamento a dois, com seus filhos, seus amigos, e por aí vai. Na verdade, nós seres humanos temos uma tremenda dificuldade de saber o que realmente sentimos, concorda? E, como precisamos obstinadamente amar e sermos amados, nos submetemos a agradar a tudo e a todos, mendigando atenção e amor.
Bom, pra mim, depressão tem nuances… eu posso estar apenas exausta, triste. Posso estar magoada ou contrariada por não ter conseguido algo que almejava. Posso estar desanimada com algo específico que me dá razões de sobra para estar desanimada. Posso estar ansiosíssima por algo que espero e não acontece (pelo menos na hora em que eu queria e planejei). Posso estar com muita raiva de alguém que abusou da minha bondade e até ter pensamentos suicidas. Tudo bem… Todos nós somos um pouco suicidas e assassinos de vez em quando (perdoe-se, logo passa). A questão é quando perdemos a capacidade de decidir o que fazer com essas emoções. Não podemos impedir que elas nos acometam, mas podemos escolher o que fazer com elas. Tipo: não alimentá-las. Isso mesmo. As emoções existem. São reações neuroquímicas do nosso corpo, mas elas não duram. Nós somos responsáveis por prolongá-las. É uma escolha…
Mas, você vai me dizer, há pessoas que não conseguem controlar uma tristeza profunda que se transforma em depressão ou coisa pior. Isso é parcialmente verdade. Por isso que eu decidi compartilhar com vocês um aspecto: a depressão pode estar relacionada ao fato de não estarmos no caminho que deveríamos estar. Prepare-se para uma longa e curiosa história…
A primeira manifestação depressiva que tive foi em 1992, quando fui para a Áustria à procura de emprego em um coro de ópera, instigada por um amigo que esteve lá e disse que eu conseguiria fazer uma audição e ser contratada. Eu estava recém formada como Bacharel em Canto pela UFRJ. Pasmem: eu realmente teria sido contratada, mas por alguma razão que fugio ao meu controle direto, eu fui informada CINCO ANOS depois, que o maestro do coro não conseguiu falar comigo e desistiu de me contratar, pois eu já estava de volta ao Brasil. Mas logo que cheguei, eu estava extremamente triste, decepcionada, me sentindo “a mosca do cocô do cavalo do bandido”, alguém que não tinha competência nem de ser contratada para cantar num coro de ópera na Áustria.
Fiquei arrasada e procurei meu primeiro terapeuta. Também pedi ajuda a um amigo, que me empregasse como vendedora ou representante de sua fábrica de cosméticos. Ele me respondeu: “Mirna, se você quiser um sócio para abrir uma escola de música, pode contar comigo. Não vou deixar você seguir por esse caminho. Você não é desse ramo”. Foi difícil, mas finalmente entendi que tinha sido o melhor, pois minha carreira no Brasil como cantora e professora de canto foi gigantescamente abençoada nos anos seguintes. Este era o meu real caminho.
Superei essa primeira grande melancolia da decepção, e continuei meu caminho até que prestei concurso para UNIRIO, como professora federal de canto em 1996. Eu nunca idealizei ser funcionária pública, mas meus pais eram e minha professora na época estimulou que eu fosse contratada, não apenas para ter um sustento para os filhos, como também para tentar uma bolsa de doutorado pela CAPES por ser professora do governo. Concordei que seria uma boa estratégia de carreira, já que eu não tinha familiares ricos para me sustentar fora do país. Pois bem, fiz meu concurso público, passei, fiz meu mestrado no Brasil e parti para a aplicação para uma bolsa de estudos nos EUA e consegui. - Eu conto pra vocês em detalhes no meu próximo blog sobre A saga da bolsa de estudo. - Imaginem que depois de 40 meses morando fora, cursando o meu doutorado, eu retorno para o Brasil em 2004 e caio de paraquedas em um espaço físico cheio de mofo, ácaros, carpetes velhos, piano do século XIX, sem a menor salubridade. Obviamente fui parar no psiquiatra seriamente deprimida. Dessa vez foi muito sério, pois eu planejava o meu suicídio e não tinha autorização de ficar sozinha em lugar algum. Nesse momento eu entendi que eu realmente não tinha controle sobre minha bioquímica e fui altamente medicada pelo meu psiquiatra da época.
Desse momento em diante, eu entendi como era o meu comportamento psicológico. Basicamente eu notei que quando eu ficava “contrariada” como uma criança mimada que fui, eu entrava em angústia que se transformava em depressão. Entretanto, notei duas coisas muito importantes: (1) podia ser uma pirracinha infantil ou (2) podia ser uma manifestação de que eu estava no caminho errado. De todo modo, com esses dois insights eu fui capaz de me auto-observar e saber quando haveria uma possibilidade de ser deflagrada uma crise depressiva.
Enquanto eu escrevia esse texto, lembrei que minha primeira grande crise não se manifestou como depressão, mas uma série de lesões oculares em 1979, quando eu estava me preparando para o vestibular de Medicina e durante o curso propriamente dito. Essa foi a primeira vez que notei que a depressão, na verdade, era um sinal de “realinhamento” do trajeto da minha vida. Quando eu tive a depressão de 2004, eu fiquei antenada na repetição. E a última grande depressão, severa mesmo, foi em 2011, quando eu percebi que tinha que “realinhar” minha vida novamente. Foi quando eu constatei que não havia nascido para estar presa a um sistema público como a UNIRIO. Cheguei a receber uma proposta para ir para a UFRJ, mas eu realmente não me enquadrava naquele sistema.
Recapitulando, porque a história é longa: minha mais recente quase depressão mesmo (porque eu já conhecia os sintomas e possibilidade de “realinhamento”), foi em 2019, quando eu havia decidido mudar de país e planejei isso desde Setembro de 2019 até Abril de 2022, quando me mudei de vez para Portugal. Antes disso, em 2011/2012, a depressão era o aviso de que eu tinha que sair da UNIRIO, pois aquele sistema estava me expulsando, literalmente. Em 2004, eu deprimi porque voltei para a UNIRIO (após um doutorado incrível na University of Michigan), onde não queria estar. Suportei bravamente até 1/3/2012, a data exata da minha exoneração. Antes disso, foi em 1998, que quase pedi demissão, mas ainda insisti. Em 1992, voltei da Áustria, frustrada porque não era meu caminho. A depressão anterior foi em 1984, quando saí da Faculdade de Medicina na UFF para cursar a Faculdade de Canto na UFRJ. Foi justamente fazendo essa recapitulação que eu aprendi que cada uma das minhas depressões eram claras manifestações das minhas células dando sinais que aquele não era o meu caminho.
E aí você me pergunta: “Você agora está curada?” Não. Depressão não tem cura, tem autoconhecimento. Eu sou bipolar e fico atenta às minhas ondas. Atualmente eu reconheço quando vem uma onda pra cima ou uma onda pra baixo e o que as deflagra. Fico atenta. Sempre em terapia, com minha psiquiatra à disposição. Atualmente eu estou deprimida, mas ninguém vai me ver triste ou não trabalhando. Só eu sei quais são os sintomas básicos do estado depressivo químico, que vai e volta. Sobe e desce. Dá euforia e tira euforia…
Estou reclusa. Em paz, mas reclusa. Em estado contemplativo, na minha onda atual que está intimamente relacionada com a lama em que o mundo está chafurdado…
Minha terapeuta até pediu que eu ficasse um pouco menos consciente das verdades do planeta. Confesso que isso é bem difícil pra mim… Mas, estou aprofundando minha fé e me aproximando cada vez mais dos meus familiares. Nada mais vai sobrar. Apenas o amor, a empatia e nossos mais relevantes laços com nossos entes mais queridos.
Cuidem de seus amores mais preciosos. Sempre… A depressão vai e volta. Mas o amor incondicional de nossos familiares é a nossa mais poderosa fonte de equilíbrio… eu dou graças a Deus pelos meus irmãos, filhos, noras, netos e grandes amigos que tenho. Gratidão imensa!
(P.S. Gratidão é um tremendo remédio para qualquer depressão. Pratique-a…)
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